XIS, esse flagelo da sociedade humana (portuguesa em particular)
Já há quase um mês que estou para escrever este post, mas tenho de admitir que, às vezes, a vontade de escrever sobre coisas desagradáveis não é das maiores.. e então sobre ESTE assunto, custa-me particularmente! Mas há coisas que têm de ser feitas. MESMO. Por isso, aqui vai - Diogo, este post, como prometido, é para ti.
Esta revista, chamada
XIS, é para mim um caso complicado de entender no panorama jornalístico português, um sapo bem difícil de engolir. Como é que uma revista que, semana após semana, não diz absolutamente nada, gastando imenso papel (que nem sequer é reciclado) e matando àrvores para gastar folhas inteiras com imagens pindéricas e muito pouco texto em corpo muito grande, tem o sucesso que tem, passa do Correio da Manhã para o Público, tem uma colecção de livros publicada, tem um contrato que nunca mais acaba com a
Oficina do Livro (essa editora que aposta no fluorescente como forma de venda, para infelicidade de nós todos), e tem uma legião de seguidores(as) avassaladora (distribuída maioritariamente por mulheres trintonas de classe média e pela comunidade gay)?
E agora vocês dizem:
Vera, não sejas má, é uma revista que fala dos temas que a todos preocupam, até o Daniel Sampaio lá escreve, como é que pode ser má? Leva-nos apenas a pensar...
E eu digo:
NÃO! Ao longo das suas não-sei-quantas páginas, a única que prestava era a da receita, e essa DESAPARECEU!
Ora vamos lá analisar um número recente para admirarmos o carácter preocupantemente inócuo desta revista. Vou tentar ser imparcial.
XIS - 8 Nov 2003, nº231.
Tema: ser gordo
Capa: imagem pirosa de arquivo, a tender para o cómico e o mau gosto (à lá Oficina do Livro).
Subtemas: julgar os outros, deixar de fumar, e aqueles desinteressantes retratos semanais de personalidades, desta feita Hedy Lamarr. (Ao menos esta semana não estava incluído nos subtemas a crónica do Daniel Sampaio, que ao aparecer na capa mostra de maneira preocupante o nada de conteúdo que enche as outras páginas).
Editorial: Laurinda Alves. Só o nome desta mulher me enche de arrepios. A sua fotografia, o seu ar sereno com a vida, sabedora, aquela maneira zen de olhar para os assuntos - inteligente mas acessível, humana mas omnisciente - dão-me vontade de lhe bater. Adiante. Três textos organizados de maneira deficiente, falando da opinião da senhora sobre associações de voluntariado e Agustina Bessa-Luís. Transcrevo este excerto que me levou ás lágrimas:
"Os livros de Agustina são inspirados e inspiradores. Sempre que leio um livro escrito por ela acontece o que me acontece com os de Yourcenar ou de Brodsky(...), nada me distrai das suas palavras escritas. Até na praia leio Agustina(...)." Alguém me explique como é que uma revista cujo target são aquelas mulheres de que falei mais acima tem uma mulher que escreve sobre Yourcenar e Brodsky no editorial. Elas devem adorá-la como uma deusa, visto que não entendem metade do que ela escreve!
Correio dos leitores: Sem comentários a esta geração de pessoal fascinado pela Laurinda Alves. Espero que o pessoal da minha geração ultrapasse isto.
Crónica da Faíza Hayat: Mais um exemplo de literatura pastiche mal-adaptada ao target. Desconfio que o pessoal desta revista é uma data de escritores frustrados que não conseguiu vingar.
Tentando fazer um comentário mais adequado: não percebo puto desta tela de referências à nostalgia infantil em África com laivos de romantismo europeu oitocentista depurados com a ideologia zen da passagem do milénio - uma perda de tempo, portanto.
Estar bem, dossier Obesidade: Começa o dsperdício de papel. Uma imagem horrível de banco de imagens desperdiça duas páginas (que dinheiro semanal fantástico deve ganhar a Getty Images com esta revista!), com um textinho introdutório, daqueles escritos em cinco minutos que não dizem nada.
Agora, acreditem ou não, eu LI MESMO os artigos. E, acreditem, eles não dizem absolutamente NADA! É um desespero porque chego ao fim do artigo angustiada com a falta de conteúdo desta revista... e isto segue-se nos artigos seguintes, na entrevista a um homem ex-obeso... Espreme-se, espreme-se... mas não sai sumo nenhum!
Coluna: Alma e Coração: A coluna desta psicóloga que felizmente veio substituir esse homem desenquadrado da vida que é
Eduardo Sá continua com os mesmos problemas. Perguntas idiotas com respostas muito idiotas do tipo
Correio Semanal Maria vs. Correio Mensal Ragazza. E o que é pior é que eu desconfio que aquilo continua a ser inventado pela redacção, porque ninguém tem aquelas dúvidas. Reparem nas iniciais por baixo das cartas! Aquilo não existe.
Secção Moda: Mais desperdício de papel. Imagens enormes, textos que não dizem nada, comentários que não se entendem...
Secção Beleza: Artigo sobre o cancro da mama... uma chacha a que já nos habituaram, todos os anos, por esta altura, a prevenir, etc. Seguem-se duas páginas de maquilhagem, com preços, mais desperdício de papel, continuam as imagens de arquivo, bem grandes para encher bem o espaço, e mais textos em corpo 24 que não dizem nada de nada:
"o novo colorido gira à volta dos olhos com sombras que combinam cores audaciosas" é um bom exemplo de frase cara para não dizer nada.
Secção Saúde: Continuam as imagens bem grandes sem conteúdos. A mini coluna microdose, cempre presente, continua a dar informações que, semana após semana não se percebem se são positivas se negativas, para que servem, etc. Mais dois artigos vagos sobre primeiros socorros, deixar de fumar, sempre duas páginas no máximo, pouco detalhados, instantâneos.
Coluna: Outra Porta: A astrologia marca presença pela mão desta astróloga zen que escreve aquelas chachadas do costume, que para alguém devem fazer sentido, mas eu, depois de 40 páginas de análise, naquelas letras já só consigo ler blá-blá-blá..., com subtítulos esclarecedores como
"Tudo incide sobre tudo".
Secção "Para Fazer": Mais duas páginas desperdiçadas com outra imagem enorme. As páginas seguintes dão sugestões tão boas como outras quaisquer. Enfim, mais uma dose de nada...
Tudo isto culmina numa biografia duma pessoa qualquer que nasceu na data em que sai a revista, desta feita Hedy Lamarr, sempre com citações desinteressantes, desta feita (e deve ser o único artigo longo desta revista) um resumo de uma biografia qualquer que está publicada ou a publicar brevemente, feito por uma diligente jornalista que se dedica a ler biografias de personalidades e a exercer aquele hábito que convém nunca perder depois da faculdade, o de fazer fichas de leitura! Mais uma imagem enorme a desperdiçar uma página.
E depois,
a cereja no topo do bolo, essa crónica pela qual Laurinda Alves deve ter lutado anos sem fim - a presença de
Daniel Sampaio na revista. Este alonga-se em relatos de apreensão fácil, num estilo António Lobo Antunes acessível, sem aprofundar, caindo na futilidade que realmente caracteriza esta revista do princípio ao fim, e que me exaspera profundamente.
Não há esperança para tal desperdício de tempo, palavras, imagens, tinta, esforço. Não há pachorra. E, sobretudo, não há quem os ature.
Morte à XIS!